O Brasil Invade a Amazônia: relações de controle e domínio da ditadura militar brasileira na região amazônica

Anúncio Radiobrás - inauguração de transmissão na Amazônia; O Globo, 09/11/1977, caderno especial, p.5
Por: Camila Monção Miranda


Desde o período da chegada dos europeus em solo americano e o encontro destes estrangeiros com a grandiosidade da floresta, as representações sobre a Amazônia percorrem o mundo e as várias regiões do Brasil. A variedade de imaginários e (pré)conceitos sobre esta vasta porção do território sul-americano se transformam conforme o tempo, os objetivos daqueles que discursam e os planos que pretendem implantar por ali.
Muitos de nós, brasileiros, temos o mau hábito de pensar que a Amazônia está restrita
ao Brasil, colocando rótulos em uma região que ultrapassa as fronteiras nacionais.  Ao longo da história do país, especialmente nos tempos da ditadura militar brasileira que serão abordados nesse texto, a Amazônia foi alvo de várias e impactantes empreitadas.
         Em propaganda de lançamento da Radiobrás na região amazônica, em 1977, o governo veiculou uma propaganda no jornal O Globo como os dizeres “O Brasil Invade a Amazônia”. Tal anunciação ilustra bem os intentos do governo federal de, literalmente, invadir a Amazônia com seus projetos que objetivavam “ocupar, colonizar, desenvolver e integrar” o território.
         A preocupação da ditadura militar com a Amazônia tem relação com a Doutrina de Segurança Nacional (DSN). A DSN é originária dos Estados Unidos e surge no período de Guerra Fria. Logo, sua fundação está diretamente ligada ao combate ao comunismo e à "subversão", às noções de Estado forte, manutenção da ordem social, segurança coletiva estratégica (para o mundo ocidental capitalista), militarismo e controle de informações. Sendo que todos estes aspectos perpassam a política interna e externa.
Para compreender o golpe e a ditadura militar, em suas diversas facetas e momentos, é essencial apreender o significado da DSN no seio das Forças Armadas. E, para isso, é necessário conhecer a Escola Superior de Guerra e seu escopo de atuação. A ESG foi fundada em 1949 pelo Exército e se tornou "o bastião do anticomunismo" no Brasil. A Escola oferecia cursos principalmente a militares, mas, posteriormente, também a civis, em várias partes do território brasileiro. O binômio "desenvolvimento e segurança" eram os pilares da formação oferecida pela instituição, que tinha como propósito oferecer ferramentas para solucionar os problemas do país.
Assim, estando presentes na Amazônia, os militares poderiam exercer controle ali, garantindo a “ordem e segurança”, mas também coagindo um possível avanço da esquerda. Ademais, a ESG já formulava, muito antes do golpe de 1964, um Projeto de Brasil que tinha como um de seus focos o domínio, a ocupação e o desenvolvimento da região amazônica, entendida como área geopoliticamente estratégica para a segurança nacional e para o crescimento econômico do país. Não à toa, a ocorrência da Guerrilha do Araguaia, em fins dos anos 1960 e primeira metade da década de 1970, coincide com o aumento da presença da ditadura na Amazônia, com mais projetos e maior busca por ocupação e desenvolvimento na região.
Os projetos desenvolvimentistas voltados para a Amazônia durante a ditadura representam uma maneira do próprio governo buscar legitimação, além de se fazer presente de maneira ativa na Amazônia, utilizando o território como “vitrine do desenvolvimento” para o restante do país; a submissão e perseguição de grupos indígenas no Norte e em outras localidades são justificadas, por sua vez, pelo entendimento de que o índio é fator de segurança nacional, por isso seria preciso vigiar para que não ocorresse “infiltrações comunistas” nas aldeias, além de garantir que os indígenas se tornassem “verdadeiros brasileiros” através da aculturação e até militarização desses sujeitos.
Importante destacar que os projetos desenvolvimentistas na Amazônia iniciam muito antes da ditadura militar, ainda no governo de Getúlio Vargas, passando também pelas políticas econômicas de Juscelino Kubitschek. Quando faço referência, aqui, a desenvolvimentismo, compreendo que há grande interferência estatal na economia, de forma que o governo funciona como um balizador dos projetos econômicos, direcionando parcerias público-privadas que agradem ao projeto político estabelecido. Dessa forma, há imposições quanto às áreas econômicas que serão valorizadas, utiliza-se das grandes obras para propaganda governamental e, em algumas situações, essas parcerias entre empresários selecionados pelo governo e o próprio governo, podem abrir espaço para ações de privilégio e corrupção.
Os projetos desenvolvimentistas na Amazônia, como a construção da Transamazônica, serviram, portanto, não só ao objetivo de “desenvolver” a região, mas também a objetivo essencialmente políticos.
A Transamazônica (BR-230) é, talvez, a maior alegoria dessa relação conflituosa entre a ditadura e a Amazônia no seio da busca irrefreável pelo desenvolvimento, integração e ocupação. É uma das maiores rodovias brasileiras, com mais de quatro mil quilômetros de extensão, que vão desde Cabedelo, na Paraíba, até Lábrea, no Amazonas. A estrada foi uma das grandes empreitadas da ditadura para a Amazônia e sua construção e funcionamento ainda são parte de um projeto controverso, uma vez que a rodovia enfrenta, até hoje, sérios problemas de manutenção, fazendo com que muitos de seus trechos sejam intrafegáveis em vários períodos do ano.
Portanto, falar da Transamazônica é falar dos vários conflitos com as populações indígenas; do autoritarismo e repressão travestidos de modernização; dos imaginários e representações da Amazônia e do Brasil; das relações de trabalho e mortes de trabalhadores; da devastação ecológica; é falar sobre uma integração não concretizada, um nacionalismo que suprime regionalismos, um caminho sem volta que pode não levar a lugar nenhum.


Para saber mais: 
MONÇÃO MIRANDA, Camila B. Ditadura Militar e Amazônia: Desenvolvimentismo, representações, legitimação política e autoritarismo nas décadas de 1960 e 1970. 2018. Dissertação. Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Amazonas. 

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