Por: Camila Monção Miranda
Muito tem sido discutido sobre a Amazônia nos últimos
dias, principalmente em relação às questões ambientais. A preservação da Amazônia
é questão fundamental e, sim, os desmatamentos não podem ser banalizados.
Contudo, há mais sobre a Amazônia que precisa ser posto
em debate, pois falar da preservação e dos desmatamentos na floresta amazônica
não é falar apenas de meio
ambiente. Isso envolve relações políticas nacionais e internacionais, construções
e práticas sociais, economia e cultura.
Proponho aqui, então, uma visão histórica da Amazônia. A
partir das problematizações e apontamentos que farei abaixo, não espero trazer
respostas ou verdades absolutas (até porque entendo que isso não existe em
forma literal). Por outro lado, buscarei levantar novas indagações para
fomentar os debates.
Amazônia e suas representações
“A
maior parte da floresta está contida em território brasileiro, que detém 60% da
Amazônia, seguido pelo Peru com 13% e com fragmentos menores na Colômbia,
Venezuela, Equador, Bolívia, Guiana, Suriname e Guiana Francesa. No Brasil, o
bioma ocupa cerca de 49,29% do território e abrange três das regiões do país (Norte,
Nordeste e Centro-Oeste).
Para
efeitos de governança e política econômica, a Amazônia é delimitada por uma
área chamada ‘Amazônia Legal’ definida a partir da criação da Superintendência
do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), em 1966. Neste verde e vasto colosso de
águas e florestas vivem mais de 33 milhões de pessoas, incluindo 1,6 milhão de
povos indígenas de 370 etnias distintas, além de ribeirinhos, extrativistas e
quilombolas” (Entendendo a Amazônia – O eco, 2013).
Seria o trecho acima suficiente para definir a Amazônia?
Ou, devido a multiplicidade amazônica poderíamos falar em “Amazônias”?
Ao
pensar sobre o mundo e as representações que o constituem, sempre me recordo de
uma citação do livro “As cidades invisíveis”, de Ítalo Calvino (1990, p. 17):
“O olho não vê coisas, mas imagens de coisas que significam outras coisas”. Essa
atribuição de significado ao que os olhos veem é sempre um ato político. Algo
que diz respeito a intenções, memórias, princípios, vivências, escolhas,
conhecimentos prévios, enfim, bagagens individuais e/ou coletivas. Como disse
Rubem Alves (2004) “O ato de ver não é coisa natural”, portanto, o resultado
dos olhares depositados sobre a Amazônia, no tempo, não é algo dado, mas
construído.
Neide Gondim, em seu livro “A invenção da Amazônia”
(2007, p. 13), vai além ao dizer que “Contrariamente ao que se possa supor, a
Amazônia não foi descoberta, sequer construída”, ela foi inventada. Ou seja, as
imagens e adjetivos que perpassam a mente quando pensamos em “Amazônia”, fazem
parte de um conceito forjado, edificado ao longo dos anos, formando um bloco
uniforme que esconde as especificidades que perpassam o todo.
Objetiva-se, então, desnaturalizar a Amazônia, entendendo
sua concepção para além de seus limites geográficos e características físicas
naturais.
Amazônias: política, economia, sociedade, cultura e meio ambiente
A Amazônia já foi tratada por estereótipos como “Inferno
Verde”, “Pulmão do mundo”, “grande vazio” e “terra sem história”. Contudo, as
representações que circundam essa rica região perduram no tempo e ainda são
propagadas nos mais variados discursos que tentam manipular a Amazônia em prol
de determinado projeto político-econômico.
Ou seja, assim como em períodos da Era Vargas, no governo
de Juscelino Kubitschek e na Ditadura Militar, a região amazônica foi alvo de
várias empreitadas desenvolvimentistas que foram utilizadas como propaganda,
mas que também trouxeram os mais variados problemas ao território.
Por outro lado, os debates sobre a preservação da
Amazônia são também perpassados por disputas políticas, tanto no meio nacional
como internacional. Afinal, ao tentar abafar dados sobre o desmatamento, o
governo almeja evitar que certa gestão seja associada à destruição da Amazônia.
Por outro lado, o uso desses dados sobre o desmatamento pela imprensa nacional
e internacional, pelos líderes de outros países e pela oposição, também pode
servir como um dentre vários argumentos que possam enfraquecer o governo.
A ideia aqui é esclarecer que a preservação da Amazônia é
sim questão de primeira importância, e que devemos nos mobilizar quanto à isso.
Mas, sua manipulação política é evidente e esse uso já foi feito de diferentes
formas, pois a região amazônica é nacionalmente e internacionalmente
estratégica devido à sua relevância ambiental, seus usos políticos e sua
riqueza cultural e histórica.
Portanto, denunciar as queimadas na Amazônia é
fundamental, pois está constatado seu aumento significativo nos últimos meses. Entretanto,
o fenômeno do desmatamento não é recente. Ainda em 1979, foi instaurada pelo
Senado uma Comissão Parlamentar de Inquérito para “apurar a devastação da
floresta amazônica e suas implicações”. A CPI buscou mapear a situação ecológica
da Amazônia devido aos avanços modernizadores – construção de rodovias,
hidroelétricas, etc., especialmente durante o período da ditadura –, trazendo
dados sobre a economia, o meio ambiente e a demografia regional, e, ao fim,
propôs soluções que tinham como intenção melhorar o equilíbrio entre
desenvolvimento e preservação ambiental.
Contudo, precisamos estar cientes que apenas medidas de
preservação ambiental não são suficientes para pensar em Amazônia. Há vários
outros problemas na região que também precisam ser problematizados, inclusive o
fato de que os próprios amazônidas, em suas multiplicidades, nem sempre são
incluídos nos debates sobre a região.
Dentre os problemas que merecem atenção na Amazônia,
destacam-se as dificuldades de acesso e comunicação. As construções monumentais
de rodovias como a Belém-Brasília e a Transamazônica foram grandemente
utilizadas como propaganda, mas sua concepção é problemática. Além de contar
com vários trechos intrafegáveis, principalmente em períodos de chuva mais
intensa, as construções foram marcadas pela perseguição e aniquilamento de
populações indígenas, isso sem falar do próprio desmatamento. Pesquisa da Confederação Nacional de Transportes (CNT) de 2017 mostra que a maioria das
rodovias da região Norte encontram-se em condições consideradas regular, ruim ou
péssimo. Isso encarece o preço dos produtos que chegam ao local, além de
dificultar a saída da produção regional para outras localidades.
Ademais, a perseguição a grupos indígenas e populações
tradicionais ainda acontece, mesmo que o tópico não ganhe as manchetes com
frequência. Em reportagem da revista IstoÉ, de 2010, é relatado a tortura de
indígenas nas mãos de membros do Exército dentro da Amazônia brasileira. Os
depoimentos destacados descrevem os castigos sofridos: “Nos colocaram numa
gaiola de ferro e lá ficamos como animais. [...] A gaiola era uma jaula de ferro
para onças. Um de meus colegas apanhou como se fosse um cachorro [...]. [Outro]
foi obrigado a permanecer por quase duas horas deitado com o rosto no chão, sob
a mira de um fuzil” (ISTOÉ online, 03/09/2010).
Se sabemos ser imprescindível preservar a floresta
amazônica, precisamos ter consciência que a Amazônia não é só floresta. A Amazônia
é formada por sujeitos, culturas, práticas, economias...
Necessita-se romper o isolamento e o paternalismo em
relação à população amazônida. Conhecer a Amazônia em sua diversidade,
afastando os estereótipos, é um caminho a ser pensado para impedir ações
autoritárias, colonizadoras e desenvolvimentistas que não dialogam com demandas
internas da região e trazem ainda mais devastação ambiental. A ausência de uma
mudança de postura em relação a Amazônia contribui para a continuidade de
projetos inconclusivos e tratamentos inadequados às populações indígenas e
camponesas, aos problemas ligados à terra e ao crescimento efetivo da economia
local de uma maneira sustentável. O propagandismo e o ufanismo exagerado que
deseja domar, controlar e invadir impede a busca por um desenvolvimento
harmônico, pautado na sustentabilidade, na valorização da particularidades, das
demandas locais e dos sujeitos plenos em suas individualidades.
A Amazônia é formação histórica, é história em movimento.
É múltipla e deve ser vista como tal.
Fontes:
MONÇÃO MIRANDA, Camila B. Ditadura Militar e Amazônia :Desenvolvimentismo, representações, legitimação política e autoritarismo nasdécadas de 1960 e 1970. Dissertação, UFAM, 2018.
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